esboçou um gesto de continência para o dono, não encostaria nele, e pediu licença para entrar.
suspirou, e com a voz que ele não ouvia há muito tempo, avisou que não se alongaria, tentaria ser mais breve possível para não atrapalhá-lo - era uma desculpa qualquer pra justificar o fato de que o cheiro daquela casa, e que principalmente, a figura dele a enojava.
dispôs as duas malas vazias na sala.
fitou mais uma vez o jeito estranhamente forçado dele se mostrar arrependido ou desconfortável, buscou na memória todas as vezes que viu aquele mesmo conjunto de gestos, e concluiu rapidamente que não era arrependimento, era só desconforto, aquele que ela também sentia.
ouviu que ele resmungou algo inaudível, ele nunca sabia falar, sempre resmungando, sempre sorrateiro, agora a fazia lembrar um verme, arrastado, asqueroso.
em pouco tempo lotou a mala. as duas.
havia, enfim, recuperado todo seu tesouro. seus próximos anos de leituras estavam ali.
quando foi buscar a tv que estava no quarto, ele se ofereceu para ajudá-la. recusou.
jamais aceitaria nenhum tipo de favor daquele homem. nenhum tipo de ajuda, nunca mais.
saiu primeiro com a tv nos braços, sem sequer olhar pra ele, voltou, levou as malas.
parecia o fim de um sequestro estranho.
ela havia consentido deixar o que tinha de mais valioso nas mãos de seu pior inimigo.
não teve explicação lógica pra justificar isso.
no corredor, prestes a pegar o elevador, em liberdade, enfim, não respondeu ao "adeus" que ele lhe deu.
pra quê renovar um adeus que já foi dado? meses atrás?
e ele, ah... ele não mereceria ouvir nem mais uma palavra dita por ela.
ele não merecia sequer a lembrança da última imagem dela.
aqueles últimos segundos antes que a porta do elevador se fechasse.
o poço do elevador é a retirada brusca de uma presença.
tem gente que faz questão de viver a beira dele.
perdendo todas as pessoas que um dia conquistou.
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