domingo, 25 de janeiro de 2009

Conto Autobiográfico;

Havia Fernanda. Nome bonito, Nanda, Nandinha.
Meninice pura, dentro dos seus 21 anos, travessuras infantis, correr, saltar, pular obstáculos na calçada, subir no pé de goiaba e lá de cima, por sobre os galhos comê-las, desfazendo-se das cascas em queda livre, e de ir à cachoeira mergulhar pelo menos duas vezes por semana.
E era mundana, Fernanda. Urbaníssima. Com tudo que há de moderno desta vida citadina; mp3, celular, emprego, apartamento com interfone, faculdade, internet - mas, banhos de cachoeira.
Era preciso gastar cerca de 3 horas do dia para realizar essa atividade quase intríseca de ir se revitalizar na cachoeira, ainda chegar em casa com parte dos cabelos molhados, a roupa pacialmente suja e úmida.
Mas era sozinha.
Não haveria pai ou mãe, ninguém para ralhar com ela.

Havia aquele rapaz, Junior. Junior pra esconder seu nome feio.
Mais urbano ainda que Fernanda, gastar 3 horas do dia com banho de cachoeira? Nem pensar! Nem aos domingos! Nem nas férias!
Nunca... Ele tinha coisas melhores pra fazer: Ver o futebol, assistir às séries da TV, ir à igreja, estudar, academia, Fórmula 1, fazer downloads... que tolice de Fernanda, pensava.

Junior e Fernanda namoravam há 7 meses, namoro tranquilo, sem brigas, sem aventuras, sem mal-estar, até porque mal conversavam.
Confissões entre eles nao existiam, era só interesse de companhia, para que não se sentissem tão sozinhos e pudessem, quem sabe, quando precisassem contar um com o outro.
Realmente eram muito solitários aqueles dois.

Então havia Ricardo. Menino rebelde, arredio, fechado, agressivo, egoísta, irônico, enfim... tudo aquilo que Fernanda mais detestava, mas conversavam com bastante assiduidade.
Ah, vai lá entender a relação daqueles dois...
Amigos não eram, inimigos, tampouco.
O que parecia existir era uma linha tênue entre ódio/desprezo e carinho/afeto.

Ele odiava aquela mania dela de falar sobre abstrações, odiava aquela fixação pela cachoeira - coisa imbecil! Também não gostava do seu cabelo, do seu perfume - ele mesmo a dissera certa vez - e não a achava bonita, nem atraente.
Ela por sua vez o achava desengonçado, um tanto quanto feio também, rude, contraditório demais e odiava sobretudo, aquele silêncio perpétuo quando estavam juntos.

Um dia algo ligaria-os para sempre: Se amaram.
Talvez tenha sido mais de um "algo" aquilo que os uniu.

Um "algo" o ligou nela, outro "algo" a ligou nele. Talvez amor, talvez laços fraternos, não se sabe.
E assim esta união foi quebrada quando o namoro com Junior começou, e apesar de gostar de Junior, faltava o "algo", que só Ricardo tinha.
Fernanda hoje ainda está com Junior, Ricardo ainda está sozinho.

E ela banha-se na cachoeira pra esquecer o que sente.
E também pra gozar da refrescância da cachoeira, único prazer igualável àquele que Ricardo lhe ofereceu.
Enquanto não houvesse Ricardo, que houvesse cachoeiras.
Que as duas condições sejam perpétuas.

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